Um dos pontos mais críticos e que gera mais dúvidas na integração de um sistema fotovoltaico a uma edificação com SPDA (Sistema de Proteção contra Descargas Atmosféricas) é o cálculo da distância de segurança (s). Este não é um detalhe, mas o principal cálculo que garante que a energia de um raio, ao ser captada pelo SPDA, não "salte" para a estrutura dos painéis solares, causando o que é conhecido como centelhamento perigoso (side flash) e destruindo os equipamentos.
Este artigo é um guia prático para entender e aplicar a fórmula da ABNT NBR 5419, transformando a teoria em uma ferramenta para projetos mais seguros.
⚠️ Aviso Fundamental: Este artigo é um guia educacional e tem o objetivo de facilitar o entendimento do processo. Ele não substitui a consulta à norma ABNT NBR 5419:2015 em sua íntegra, nem a contratação e a responsabilidade técnica de um profissional habilitado e especialista em projetos de SPDA.
1. Entendendo a Fórmula da Distância de Segurança (s)
A NBR 5419, em sua Parte 3, estabelece a seguinte fórmula para o cálculo:
s = ki * (kc / km) * l
Vamos detalhar cada variável para que não reste nenhuma dúvida:
s (Distância de Segurança): É o resultado que buscamos, a distância mínima, em metros, que deve ser mantida entre os condutores do SPDA e os componentes do sistema fotovoltaico (painéis, estruturas, eletrodutos, etc.).
ki (Coeficiente do Nível de Proteção): Este coeficiente depende do Nível de Proteção (NP) para o qual o SPDA foi projetado (definido na análise de risco). Os valores são padronizados:
Nível I (Máxima Proteção): ki = 0,08
Nível II: ki = 0,06
Nível III / IV (Proteção Padrão): ki = 0,04
kc (Coeficiente da Divisão de Corrente): Este coeficiente depende de como a corrente do raio se divide entre os vários condutores de descida do SPDA. Seu cálculo pode ser complexo, mas para projetos mais comuns, podemos usar valores da Tabela C.1 da NBR 5419. De forma simplificada, quanto mais caminhos (descidas) a corrente tiver para chegar à terra, menor será o valor de kc.
Para uma única descida (incomum): kc = 1
Para um sistema com múltiplas descidas, o valor diminui (ex: para 4 descidas em um edifício retangular, kc pode ser 0,44 ou 0,66, dependendo da posição).
km (Coeficiente do Material Isolante): Refere-se ao material que existe entre o condutor do SPDA e o sistema fotovoltaico. Para o caso mais comum e seguro a se considerar, que é o ar, o valor é km = 1. Para outros materiais, como tijolo ou concreto, o valor é menor (ex: 0,5), mas o uso do km = 1 é uma prática conservadora.
l (Comprimento do Condutor): Esta é a variável que exige mais atenção em campo. É o comprimento, em metros, medido ao longo do condutor do SPDA, desde o ponto onde a distância de segurança (s) está sendo avaliada até o ponto de ligação equipotencial mais próximo (geralmente o anel de aterramento ou um anel equipotencial intermediário).
2. Guia Passo a Passo: Calculando 's' em um Exemplo Prático
Vamos imaginar um cenário comum: um galpão comercial onde será instalado um sistema fotovoltaico no telhado.
Passo 1: Coleta de Dados do Projeto
Edificação: Galpão com 10 metros de altura.
SPDA Existente: Estrutural, com Nível de Proteção (NP) III.
Descidas: Possui 10 condutores de descida distribuídos uniformemente.
Material Isolante: O sistema fotovoltaico será montado no telhado, com Ar entre ele e os condutores do SPDA na platibanda.
Ponto Crítico: O ponto mais próximo entre o cabo do SPDA e a estrutura dos painéis está no topo da platibanda. A distância medida ao longo deste cabo do SPDA até o anel de aterramento no solo é de 15 metros.
Passo 2: Determinar os Coeficientes (ki, kc, km)
ki: Para o Nível de Proteção III, ki = 0,04.
kc: Consultando a Tabela C.1 da NBR 5419 para 10 descidas, encontramos um valor aproximado de kc = 0,33.
km: O material isolante é o ar, portanto, km = 1.
Passo 3: Determinar o Comprimento (l)
Conforme medido no local, a distância ao longo do condutor do SPDA do ponto de proximidade até o aterramento é l = 15 metros.
Passo 4: Aplicar a Fórmula e Calcular 's'
Agora, basta substituir os valores na fórmula:
s = ki * (kc / km) * l s = 0,04 * (0,33 / 1) * 15 s = 0,04 * 0,33 * 15 s = 0,198 metros
O resultado é s = 19,8 cm.
3. Análise do Resultado: O que Fazer com o Valor de 's'?
O cálculo nos deu uma distância de segurança de 19,8 cm. Isso significa que nenhuma parte do sistema fotovoltaico (módulos, estruturas metálicas, cabos, eletrodutos) pode ficar a menos de 19,8 cm de qualquer parte do sistema SPDA.
Agora, temos duas situações:
A Distância PODE ser Mantida: Se o layout do projeto permitir que essa distância mínima seja respeitada em todos os pontos, o sistema está em conformidade. O SPDA e o sistema fotovoltaico são considerados isolados.
A Distância NÃO PODE ser Mantida: Se, por qualquer motivo, for impossível garantir essa separação, a NBR 5419 exige que seja feita a ligação equipotencial. Isso significa conectar eletricamente a estrutura metálica do sistema fotovoltaico ao sistema SPDA, usando componentes adequados (conectores bimetálicos, cabos de cobre de seção apropriada). Nesse caso, o arranjo fotovoltaico passa a fazer parte da zona de proteção do SPDA e precisa ser capaz de conduzir parte da corrente do raio sem se danificar. Essa abordagem exige um projeto ainda mais cuidadoso.
Conclusão: Engenharia e Segurança em Primeiro Lugar
O cálculo da distância de segurança não é uma formalidade burocrática, mas uma etapa fundamental da engenharia de um projeto fotovoltaico seguro. O "achismo" ou a medição visual sem cálculo não são aceitáveis e colocam em risco um investimento de alto valor.
Dominar este cálculo e os conceitos da NBR 5419 é o que diferencia um instalador de um verdadeiro integrador, demonstrando um compromisso com a segurança, a qualidade e a longevidade do sistema de seu cliente.